FAMÍLIA, ALEGRIA DA VIDA
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Patriarcado de Antioquia e todo o Oriente
O Santo Sínodo Antioquino
Carta Pastoral
FAMÍLIA, ALEGRIA DA VIDA
“Para que tenham vida, e a tenham em abundância” (João 10:10)
o O Embrião e o Aborto
o A Inseminação Artificial
o Os Contraceptivos
o A Adoção
o Eutanásia
o Cuidado ao Paciente no Último Estágio de sua Vida
o Doação dos Órgãos
o O Abstenção de Casamento
o A Coabitação
o A Homossexualidade
o O Vício
o Assédio a Crianças e Menores
Pastoreio especializado
Departamentos de Serviço à Família
Capacitação Contínua do Pastoreio
O Papel Espiritual do Sacerdote
A Educação Cristã
A Cultura de Acompanhamento
A Exortação à Procriação
A todos os nossos amados no Senhor Jesus,
Filhos do Santo Trono Antioquino, Clero e povo,
Por decisão do Santo Sínodo de Antioquia, reunido em Balamand, entre 3 e 10 de outubro de 2019, e como resultado de suas deliberações sobre o tema “O conceito de família, sua realidade e suas necessidades”, de primordial interesse devido às preocupações e dificuldades que cercam e atormentam as famílias de hoje, enviamos esta carta pastoral a todos os nossos filhos do Santo Trono Antioquino, tanto na pátria quanto nos países da diáspora, visando a fortalecê-los com a abordagem da Igreja sobre os perigos gerados por esses desafios e a indicar-lhes maneiras de evitar suas consequências e efeitos nas suas vidas em Cristo e, consequentemente, à estabilidade de suas famílias, com base no pensamento do Evangelho e nos ensinamentos da Igreja e dos Santos Padres.
A decisão dos Padres do Santo Sínodo de dar à família a prioridade em suas preocupações e deliberações vem do fato de que a família é o cerne da sociedade, seu coração e sua consciência apesar das questões levantadas pela Sociologia Moderna sobre o lugar da família na sociedade. Portanto, defender a família e trabalhar para cultivar a alegria do Senhor em sua vida são um objetivo principal da Igreja, porque os desafios do mundo de hoje que atacam a vida da família e sua estabilidade, ameaçam um pilar fundamental da vida cristã.
É por isso que nossa Santa Igreja coloca como destaque de suas prioridades a ajuda ao ser humano para cumprir a vontade de Deus em sua família, consolidando-a na fé ortodoxa e na vivência dos valores cristãos, ficando firme na alegria e na esperança. Assim, a família torna-se uma "pequena igreja", uma testemunha viva de Cristo e uma lâmpada brilhante no mundo.
Como prelúdio de nossa breve abordagem aos títulos desta carta, enfatizamos que nossa Teologia Ortodoxa é caracterizada por ser uma Teologia Curativa que considera o ser humano em sua totalidade e se importa com sua salvação. Isso requer primeiro o diagnóstico da doença e suas causas, os riscos de sua continuidade, as consequências de sua propagação e a identificação de métodos eficazes de tratamento. O tratamento, assim como a prevenção, depende da experiência e da tradição da Igreja, e se beneficia das descobertas da ciência moderna na busca de novas formas de sua realização, bem como necessita do comprometimento do paciente com elas. A Igreja então, é um hospital que cura as pessoas com o poder e graça de Deus. Ela, por meio da paternidade espiritual e do cuidado das comunidades eucarísticas através do amor, exorta os "doentes" a confiarem em Deus e em Seu Espírito Santo para enfrentarem suas dificuldades. Além disso, todos os programas de conscientização e de tratamento na Igreja são inspirados por sua rica herança patrística e litúrgica, decorrentes de seus benefícios à vigilância e crescimento espirituais.
Sendo a preservação da estabilidade da família uma das primeiras exigências da desejada firmeza diante de crises econômicas, nossa Santa Igreja afirma sua prioridade de ativar suas energias e suas capacidades para sustentar e apoiar a realidade da família, e Ela convida seus filhos a participar construtivamente nesse esforço de humanizar as sociedades tornando suas estruturas mais justas.
Esta carta pastoral levanta questões existenciais e essenciais a respeito da família. Cabe a cada diocese colocar em prática as ideias nela apresentadas, de acordo com suas circunstâncias e condições e com a sociedade em que está localizada, conforme seus regulamentos e leis. Assim, a tarefa de colocar em prática é designada a todos nós, pastores e fiéis, pois todo fiel é responsável pelo conhecimento e pelos dons concedidos a ele por Deus.
Que Deus nos fortaleça para que, por Sua graça, cresçamos e, por nosso serviço exaltemo-nos, e assim pelo amor harmoniza-se a edificação, e florescem nossas famílias na alegria da vida.
Emitida na sede patriarcal em Damasco
Em 8 de novembro do ano dois mil e dezenove
Pela misericórdia de Deus Altíssimo
JOÃO X
Os Fundamentos Teológicos do Conceito do Matrimonio Cristão
1. Deus amou o homem e o criou do nada, "à sua imagem e semelhança", concedendo-lhe vida, vontade e liberdade, e pedindo que ele as usasse para o bem. No segundo século, o bispo de Antioquia São Teófilo respondeu a alguém que pediu a ele mostrar seu Deus, dizendo: "Mostre-me sua humanidade e eu mostrar-lhe-ei meu Deus". Isso significa que o homem pode refletir (em si mesmo) o Deus invisível e manifestar seu amor e glória ao mundo inteiro. Isso demonstra nossa grandeza e responsabilidade em nossas vidas como pessoas e como família.
2. A visão ortodoxa do homem é revelada em uma abordagem que inclui a totalidade do homem, corpo, alma e espírito. A alma dá vida ao corpo e o espírito torna o homem inteiro um ser espiritual. A finalidade é que o homem vele de por sua alma e corpo durante sua jornada nessa terra, fazendo-os transparentes e obedientes ao Espírito. O homem é um ser integral que é chamado a "participar da natureza divina", para ser Deus pela graça. Por outro lado, o homem pode "extinguir o Espírito", ameaçando a unidade de seu ser, calando sua alma e mantendo-a como prisioneira dentro do corpo. Isso acontece quando o homem se rebela contra a vontade de seu Criador e se afasta Dele, isolando-se da fonte da vida. Mas o Criador não se afastou do homem em nenhum momento, mas abriu o caminho da penitência para superar a morte com a vida em Cristo, o qual revogou a corrupção e a morte com Sua morte vivificante na cruz e com Sua ressurreição. O Senhor santificou a natureza humana com Sua encarnação, morte, ressurreição e ascensão no corpo para o céu. O Senhor deu ao homem a capacidade de recuperar a eficácia de sua criação à imagem de Deus e obter o poder de vencer a morte e caminhar novamente no caminho da deificação, controlando as paixões, obtendo as virtudes, conhecendo a Bíblia, comprometendo-se com a vida da igreja e a prática de seus sacramentos, com o encontro com Cristo e a servi-lhe através de todo ser humano.
3. O homem controla a si mesmo por seu arbítrio consciente e livre, tomando como lema as palavras do apóstolo Paulo: “Tudo me é permitido, mas nem tudo convém”. É isso que todo cristão experimenta na vida da Igreja. Os sacramentos nos tornam participantes da vida divina. A Bíblia nos fortalece no Senhor e nos chama para imitá-lo. O jejum nos defende das tentações e seduções deste mundo. O ascetismo nos afasta das paixões. A comunhão matrimonial na Igreja torna mais fácil para os cônjuges seguirem esse caminho "estreito" e glorioso, com sua luta conjunta em Cristo, Sua imitação e seu desejo comum de alcançar a santidade. É assim que eles alcançam a perfeição e compõem, com a habitação do Espírito Santo neles, um núcleo da Igreja, um "templo de Deus" e uma comunhão aberta, através do sacramento do matrimônio, a Deus, a seus filhos e a todos os seres humanos.
Índice
Índice
4. Deus instituiu o sacramento do Matrimônio desde o princípio, quando disse: “E, por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne”. Ao dizer "uma só carne", isso significa uma união existencial permanente, não somente em termos de emoções, mas também uma união do corpo, do pensamento, de espírito e de toda a vida. Através dessa união, os cônjuges tornam-se um ícone vivo do Deus da Trindade: duas pessoas unidas e separadas ao mesmo tempo, unidas por Deus na unidade que busca a perfeição.
5. Cristo renovou o conceito da presença de Deus no matrimônio, realizando o primeiro de seus milagres nas Bodas de Caná. Assim Ele deu ao matrimônio uma nova dimensão que não se limita ao antigo objetivo humano, isto é, à procriação, nem ao conceito legal romano como um contrato social. Pela presença de Cristo no casamento "todas as coisas são feitas novas". O casamento cristão tornou-se assim um sacramento sagrado que enche os cônjuges com a graça do Espírito Santo e os torna preparados para o "júbilo da salvação" em Cristo.
6. A Salvação e a alegria não são adquiridas (como que) por mágica. O Espírito Santo não impõe Sua graça respeitando a liberdade do homem, mas espera que ele a aceite voluntariamente, quando libertar-se das garras do pecado e puder alcançar a "plenitude de Cristo". A esperança da Igreja é que os cônjuges estejam cientes dessa graça dada a eles, ativando-a com a oração diária e com a rejeição do egoísmo, para que se encham com amor pelo Senhor e pelo próximo. Assim, o Espírito Santo agirá neles e seu casamento tornar-se-á uma jornada que os moverá da separação para a união, tornando seus corpos "uma só carne" para viverem "à semelhança de Deus", fazendo de suas vidas uma expressão de amor divino do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
7. O Novo Testamento descreve o Senhor Jesus como o Esposo Cristo de sua noiva, a Igreja. O apóstolo Paulo diz que o casamento entre o homem e a mulher é um “grande mistério” e o compara ao mistério da união de Cristo com a Igreja, a qual é uma imagem do amor divino, manifestado na encarnação e na cruz. Portanto, o casamento é uma união única entre duas pessoas ligadas, não apenas pelo amor mútuo, mas também pela união com Cristo. Durante o serviço do casamento, a coroação dos cônjuges é feita em nome da Santíssima Trindade, porque o amor dos cônjuges, como todo amor, emana do amor de Deus pelos homens e do amor da Santíssima Trindade que é um dom perfeito. Os cônjuges são chamados a manifestar esse dom um ao outro, a seus filhos e parentes e a seus irmãos na paróquia e no mundo. Todo dom implica dar a si mesmo em sacrifício e amar ao próximo com generosidade.
8. A Cruz, como revelação do amor de Deus no sacrifício de seu Filho Amado, ocupa um lugar central no serviço do sacramento do casamento. A Santa Cruz é colocada junto com o Evangelho na frente dos cônjuges, para lembrá-los das palavras do Senhor: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim”. "Tomar a cruz" significa aceitar voluntariamente as dificuldades da vida e expressar amor, oferecendo-se e servindo ao outro. Este é o caminho da verdadeira alegria, porque "com a cruz veio alegria em todo o mundo".
9. Toda a vida cristã é baseada em viver esse amor a Deus, ao próximo e à criação. No casamento, esse amor deve se manifestar especialmente entre os cônjuges. A vida matrimonial é o ambiente apropriado para colocar em prática esse amor, que deve combinar com as características do amor definidos pelo apóstolo Paulo, isto é a paciência, a fidelidade, a renúncia de si mesmo, a rejeição do ciúme e da arrogância, a bondade, a paz interior, o perdão, a sacrifício, a confiança no outro, a esperança em Deus e a aceitação de tudo. Esse amor cresce dentro da luta espiritual com a vontade controlada, com o discernimento de paixões e com uma luta contínua contra o egoísmo e a autossuficiência que são a origem de todas as maldades. Esse amor também cresce através da prática das virtudes, de “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável”. Neste contexto, é óbvio que a violência doméstica é completamente excluída pois ela destrói os fundamentos do relacionamento matrimonial.
10. O esposo e a esposa vivem em comunhão, onde tudo é decidido em comum. Eles devem imitar a imagem de Cristo em cada um deles por sua decisão de se unir a Ele. Eles devem agradecer a Deus Pai "sem cessar e por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo! Sujeitando-se uns aos outros no temor de Cristo”. Eles devem procurar alimentar seu amor para crescer ao longo do tempo e alcançar a maior harmonia entre a diversidade e a unidade, entre a liberdade pessoal e a decisão comum.
11. A união dos cônjuges completa-se pela prática do amor em obediência e da obediência no amor. Por obediência mútua, cada um deles desempenha seu papel e sua vocação na família. Obediência não é submissão a uma pessoa que desfruta de mais força ou poder, mas um ato de dar a si mesmo. Essa doação é baseada na confiança em Deus e em ouvi-lo abrindo, atentamente, o coração e os ouvidos a suas palavras. Ouvir é uma expressão de amor que reflete a atenção de um ao outro, sua tentativa de dialogar com ele e sua alegria de compartilhar com ele. Quanto à frase “o marido é a cabeça da mulher”, ela não se refere a uma ordem superior ou proeminência, a referência é a “Cristo, que é a cabeça da Igreja”, e isso não o coloca numa posição de autoridade, mas de liderança através do serviço e renúncia de si mesmo. É a "cabeça", na medida em que ele ama o outro, procura sua salvação e trabalha para o seu crescimento.
12. A entrada dos cônjuges na Igreja, durante o serviço do casamento, simboliza sua entrada no Reino de Cristo. A aliança é entre eles, por um lado, e entre ambos e Cristo, por outro. A união do homem com a mulher em Cristo forma uma pequena Igreja, "uma igreja doméstica". Todo casamento cristão pressupõe uma fé participativa mútua dos cônjuges em Jesus Cristo. Portanto, na Igreja dos primeiros séculos, o casamento foi celebrado durante a Divina Liturgia, durante a qual os cônjuges se uniam para participar da Eucaristia, ou seja, o Corpo venerado e o precioso Sangue de Cristo. Esta participação é simbolizada hoje pelo cálice de vinho do qual ambos os cônjuges bebem. Através da participação conjunta na Eucaristia, os cônjuges conferem ao amor humano uma nova dimensão aberta à eternidade. Através dessa comunhão, eles recebem forças para se tornarem testemunhas do amor de Deus. Seu amor humano é então enriquecido pela fidelidade e sinceridade, livre de toda separação ou divórcio, porque ele se tornou "forte como a morte" e os primeiros frutos do Reino. Portanto, é preferível que os cônjuges comunguem juntos antes de se casarem, para que o casamento seja selado com o precioso Corpo e Sangue do Senhor.
13. A família é chamada a viver o Reino de Deus aqui na terra e a se tornar uma "igreja doméstica", porque a vida em Cristo da família não é somente uma vida humana mas uma pequena imagem do Reino Deus e uma experiência viva deste Reino. É por isso que São João Crisóstomo diz: "Quando o homem se une à mulher no sacramento do matrimônio, ambos vão além da imagem terrena e se tornam a imagem do mesmo Deus celestial". Portanto, os cônjuges devem garantir que esta imagem do Reino seja preservada, afastando-se das seduções deste mundo, do grande desafio do consumismo e de tudo que atrapalha o crescimento de sua vida em Cristo.
14. A procriação é uma consequência natural do matrimônio. É o fruto da união matrimonial e a expressão da cooperação dos cônjuges com Deus no ato criativo. A procriação não é o único e fundamental objetivo do casamento, mas uma das maneiras de ajudar o casal a alcançar a perfeição espiritual. Por meio da procriação, a família cresce e, com ela, a abertura dos cônjuges à santidade da vida e a seu papel nela, o qual exige que esqueçam de si mesmos e se aprofundem mais no dom gratuito de si e do sacrifício. A procriação amplia os horizontes do casal e abre novos espaços de comunhão que aumentam seu amor e fortalecem ainda mais sua união em Cristo.
Os Desafios Contemporâneos da Família
15. É necessário parar para considerar os desafios resultantes das rápidas mudanças na vida humana no mundo da modernidade e do pós-modernismo, a fim de avaliar seu impacto na família e saber como abordá-los.
16. A lógica da secularização, a qual proclama que tudo neste mundo, incluindo o ser humano, pertence a este mundo e termina apenas nele, opõe-se à mensagem cristã que pede para morrer para o mundo, isto é, morrer para as seduções deste mundo e olhar para a vida eterna. A secularização se recusa a admitir a criação do homem à imagem e semelhança de Deus, o que levou a uma visão distorcida da centralidade do homem. Segundo o secularismo, a vida humana centraliza-se em si mesma e não em Deus. Não há mais conversas sobre consciência, pecado, paixões e seus impactos à alma humana. Satanás é considerado uma superstição. As ideias secularistas não aceitam que a alma possa adoecer quando perder sua paz com Deus, e que isso leva a uma doença do corpo. O secularismo, portanto, rejeita qualquer recurso ao sacramento do arrependimento para recuperar a paz com Deus.
17. A secularização é basicamente uma afirmação do individualismo à custa da comunhão. O indivíduo torna-se um "deus supremo" e isso abre as portas para uma liberdade irresponsável que o leva a não respeitar os outros, considerando –os uma oportunidade do benefício pessoal e rejeitando qualquer ideia de comunhão, e isso sob a lema de "liberdade pessoal". O homem de hoje tende a lidar com o outro em termos de posse, e isso o leva a uma solidão mortificante em todos os níveis da vida, enquanto o que o homem realmente precisa é de sinceridade, lealdade, sacrifício livre, fidelidade, coragem, generosidade e nobreza.
18. Uma das características fundamentais do secularismo é o enfraquecimento do relacionamento do homem com Deus e a corrupção de seu relacionamento interno consigo mesmo, o que o distancia de qualquer retidão em seus relacionamentos com os outros, particularmente entre homens e mulheres casados. Frequentemente, essa influência negativa também se manifesta nas crianças, na tendência à insubordinação e na recusa em acreditar e confiar na autoridade dos pais.
19. Hoje, prevalece uma mentalidade que convida a questionar os valores tradicionais e duvidar dos costumes antigos. Enquanto, o progresso científico e tecnológico, junto com todas as facilidades que ele oferece, encorajou o homem a confiar e orgulhar-se mais de suas próprias habilidades, reforçou seu próprio desejo de subjugar e dominar o mundo. Assim, o homem confia em suas habilidades e progresso muito mais do que nas experiências espirituais e humanas acumuladas ao longo dos séculos, que resultaram em valores, hábitos, tradições e costumes. Assim, o sistema educacional sofre uma confusão devido ao questionamento de certos critérios de referência e de certos valores éticos, tanto evangélicos quanto aqueles construídos pela experiência humana. Esse ceticismo ignora o papel que esses valores desempenharam para o progresso das comunidades humanas e levanta entre a fé e a ciência, com todas as suas realizações úteis para o ser humano, barreiras artificiais rejeitadas pela Igreja, embora, em alguns casos a ciência tenha contribuído para o esclarecimento de alguns dos conceitos, crenças e costumes predominantes.
20. Não é segredo que o ritmo da vida atual empurra os membros da mesma família para a dispersão diária e reduz o apoio emocional e o amor entre eles. O pai e a mãe trabalham até tarde e os filhos não desfrutam de seus cuidados por um período considerável de tempo. Os pais não são mais a referência para os filhos, gerando um vácuo emocional que aumenta o risco de futuros desvios comportamentais. A solução está, então, em fortalecer os laços familiar. O carinho vivido pela criança em sua família é a melhor maneira de fazê-la descobrir o amor de Deus. Dessa maneira, ela entenderá que Deus é seu Pai, e a Igreja é sua mãe.
21. A sociedade de consumo transforma aqueles que a aceitam em uma espécie de máquina a serviço do dinheiro, do poder e da busca do bem-estar. O consumo excessivo faz com que o homem perca todo o discernimento entre o que é necessário para uma vida digna e o que é para uma vida supérflua, preferindo a alegria de receber e ganhar mais do que de dar gratuitamente e sacrificar-se. O consumismo escraviza o homem a seu “ego” e o encerra em um círculo vicioso. Impulsionado pelo desejo de possuir tudo o que é novo e consumir cada vez mais, afasta-se o homem de si mesmo e de seu irmão, e sua existência perde seu valor.
22. A revolução, causada pela tecnologia informática, mudou drasticamente muitos modos educacionais antigos e tradicionais. A internet é uma plataforma livre onde a expressão é gratuita, que fornece informações instantânea e rapidamente. É universal, descentralizada, onipresente e excede todos os limites. É capaz de se adaptar a todos os tipos de assuntos. Portanto, tornou-se um elemento essencial na vida de milhões de pessoas. É uma realidade inevitável que deve ser dominada antes de nos dominar. Por seu lado, a Igreja participa de todos os setores da sociedade para proclamar a palavra da verdade e defender a dignidade do homem e da família e hoje se esforça para cristianizar a Internet, especialmente em sociedades cujos valores são precários, difundindo a verdade e advogando a restituição de valores para que a humanidade retorne a ser o que era quando foi criada, ou seja ao verdadeiro ser humano. Com e experiência do mundo da computação no século XXI, pode-se ver que, se esse mundo digital for bem orientado, ele poderá se tornar um instrumento útil para evangelização, educação e comunicação seguindo a ordem de Cristo: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações”. O papel mais importante da Igreja no mundo é evangelizar, educar, testemunhar e guiar o ser humano para a salvação, numa época em que há muitas razões para afastá-lo da salvação. Portanto, o objetivo da Igreja é colocar a revolução tecnológica a serviço da evangelização, lembrando valores e defendendo a dignidade humana.
23. Por outro lado, o rápido progresso tecnológico e a revolução digital criaram um novo mundo no qual a mídia conseguiu aproximar as pessoas, mas ao mesmo tempo ela expandiu as distâncias estabelecendo barreiras imateriais entre elas. O mundo da mídia oferece grandes seduções científicas, artísticas, recreativas, religiosas e muitas outras. Tudo isso atrai o ser humano fazendo-o encontrar nesse mundo o seu próprio mundo, longe do mundo real. O homem desiste de todo desejo de conhecer os outros e de se comunicar com eles, substituindo o desejo de conhecer e se comunicar com os outros por um estado de autossuficiência e isolamento social. Tal situação põe em perigo real a família. Ela faz com que os membros da família sejam isolados uns dos outros em mundos virtuais independentes, sob o pretexto de respeito à privacidade e liberdade pessoal, o que levará a problemas conjugais e crises familiares. A Igreja enfatiza a gravidade dessa solidão e exorta as famílias a intensificar a constante comunicação comunitária na vida. A Igreja chama a atenção dos pais para a necessidade e a centralidade de sua supervisão sobre o uso de instrumentos do mundo virtual por seus filhos e de estabelecer limites qualitativos e quantitativos. Eles devem dirigir seus filhos para o que pode enriquecer seus pensamentos, expandir seus conhecimentos, servir a uma boa educação e desenvolver suas personalidades em todos os níveis.
24. O mundo virtual tornou-se um novo domínio e lugar de encontro entre as pessoas e conseguiu facilitar a comunicação entre elas, mas também causou um grande desequilíbrio em nossa sociedade. O risco do mundo virtual consiste em reduzir o ser humano a uma imagem simples, especificamente uma imagem externa atraente. O homem pode se encontrar em um conflito interno entre o que ele é e o que ele quer ser ou o que deveria ser.
As Questões Bioéticas
25. A vida é um dom sagrado de Deus. Portanto, a Igreja considera as questões da bioética um campo que trata de grandes valores divinos. A vida do ser humano não se limita apenas a sua saúde biológica, psicológica e social, mas se estende a sua capacidade de progresso espiritual, como também a sua predisposição para receber a graça divina. A Igreja, portanto, ajuda as famílias crentes a buscar a vontade e os julgamentos de Deus diante de dificuldades físicas e psicológicas, a confiar em Deus diante de vários sofrimentos e a se apegar à "esperança que não desaponta". Daí procede o interesse da Igreja pelos problemas de bioética que a sociedade contemporânea gera. Esse interesse, levando em consideração os avanços científicos, a ação política e a Carta de Direitos Humanos, sempre se baseia na afirmação da santidade da vida e no dever de respeitá-la.
26. É importante conhecer os desafios colocados pelas técnicas de procriação medicamente assistida, bem como suas consequências sociais e legais, particularmente no que diz respeito a contraceptivos, dilemas de diagnóstico que acompanham a gravidez, a escolha do sexo da criança etc.
27. O Embrião e o Aborto: A Igreja considera que o embrião é portador da vida, se uniu à sua família desde o primeiro momento da fertilização a qual aconteceu "com a ajuda de Deus". A importância do embrião não é inferior a de qualquer homem "criado à imagem e semelhança de Deus". A Igreja, portanto, enfatiza a necessidade de proteger o embrião e seu crescimento, quaisquer que sejam as dificuldades e condições da família, e rejeita o aborto em qualquer estágio do crescimento embrionário. Nos casos em que as necessidades médicas, confirmadas por um diagnóstico médico, como pôr em risco a saúde ou a vida da mãe, tornam o aborto necessário, a Igreja convida os pais a consultar sua referência espiritual para ajudá-los a tomar uma decisão responsável e justa diante de Deus.
28. A Inseminação Artificial: A procriação é um ato abençoado por Deus. Ele colocou no homem o desejo natural de ter filhos e filhas. Assim como é a necessidade da maternidade, a paternidade também é necessária. Portanto, a infertilidade pode ser uma situação difícil de suportar e pode criar problemas psicológicos negativos para os cônjuges que podem enfraquecer a vida conjugal e interromper a relação entre o homem e sua esposa.
29. Os avanços tecnológicos encontraram soluções para alguns problemas de infertilidade e conseguiram curar certas doenças que impediam a fertilização, o que ajudou os cônjuges a realizar seu desejo de ter filhos. Mas esses avanços também colocaram os crentes diante de desafios psicológicos, éticos e médicos, assim como legais e sociais.
30. As modernas técnicas de inseminação artificial criaram hesitação e confusão entre os crentes e muita incerteza na escolha dos processos a serem utilizados. Os problemas que causam tais preocupações estão relacionados à inseminação de uma mulher por um doador diferente do cônjuge, mães de aluguel e a questão de óvulos fertilizados supranumerários, se devem ser eliminados, doados ou vendidos?
31. A Igreja olha com grande preocupação a questão dos ovos fertilizados e congelados. Geralmente, vários óvulos são fertilizados e vários embriões são produzidos. Alguns são implantados no útero da mãe, e os demais são guardados congelados em armários especializados para este fim, para serem entregue a outras mães que desejarem ter filhos ou usados em pesquisas científicas. Às vezes eles são simplesmente eliminados. Além disso, os embriões colocados no útero estão sujeitos a um processo de seleção, onde o melhor e o sexo do embrião são selecionados, resultando na eliminação de outros. Tanto a eliminação de embriões quanto a sua preservação a longo prazo contradizem os princípios da ética cristã. Embora possam ajudar na resolução de certos tratamentos terapêuticos, os exames pré-natais podem se tornar problemáticos em termos de fé e ética. Como certas doenças, diagnosticadas entre fertilização e nascimento, ainda não encontraram uma cura, elas levam os cônjuges a escolher o aborto, o que é absolutamente rejeitado pela Igreja.
32. A Igreja descorda da gravidez de mulheres solteiras por inseminação artificial, uma vez que leva ao nascimento de um filho sem pai. Isso aplica-se ao uso de sêmen congelado de um homem falecido e ao uso de óvulo congelado de uma mulher falecida. A Igreja rejeita o uso de fertilização artificial por homossexuais por causa de suas implicações psicológicas, sociais e espirituais negativas para a criança.
33. Os Contraceptivos: Para regular a vida da família, a Igreja aceita o uso de contraceptivos preventivos que não sejam abortivos nem prejudiciais à fertilidade. Nesse contexto, a Igreja recorda que o amor conjugal se expressa não apenas nas relações sexuais, mas no amor mútuo, respeito de um pelo outro todos os dias e na entrega de si mesmos, o que dá um sentido especial a todos os aspectos de suas vidas. Embora a Igreja incentive seus filhos a se reproduzirem e terem filhos, é necessário distinguir “controle de natalidade” e “impedimento de natalidade”. O impedimento de natalidade conduz a uma redução arbitrária da concepção, enquanto o controle de natalidade deixa a cada família a liberdade de decidir em oração e consultar seu pai espiritual ou o pároco, dependendo cada caso do estado de saúde e das circunstâncias espirituais, econômicas e sociais de cada família.
34. A Adoção: Muitos casais sofrem por não poder ter filhos devido à infertilidade do homem ou da mulher. Às vezes, isso leva a uma vida tediosa e instável, pois os casais sentem o desejo de ser pais querendo ter filhos que preenchem suas vidas. Aqui, a adoção surge como um ícone sagrado da caridade do Verbo de Deus para com a natureza humana, expressa no mistério da encarnação. Adoção é motivo de alegria sem limites. Alegria daqueles a quem Deus abençoa com os filhos após um período de privação. Alegria do bom samaritano que encontra sentido em sua vida assumindo o outro, curando suas feridas e fazendo dele, através do amor ativo, seu "próximo". Adoção é um compromisso com a criança adotada, imitando o dom de Cristo misericordioso para com os seres humanos. Na Bíblia, encontramos vários relatos de adoções. Portanto, a Igreja abençoa a decisão de um casal, impedido de ter filhos por razões médicas, de recorrer à opção de adoção, sem limitar esse honorável ato apenas àqueles que não podem ter filhos. Nesse contexto, e nos países onde essas leis estão ausentes, a Igreja exige legislação que facilite a adoção dentro da estrutura dos regulamentos civis locais, a fim de impedir que os pais recorram a meios ilegais de adoção, e para que os direitos das crianças sejam preservados e seu tráfico seja impedido.
35. Eutanásia: Como a vida é um dom de Deus, ninguém tem o direito de destruí-la, atacá-la ou comprometê-la. O sofrimento lembra o homem de sua finitude. Todos os meios legítimos devem ser usados para reduzir a dor, mas sem justificar a prática da eutanásia. A Igreja enfatiza que o tempo de nossa vida nos é designado para retornar a Deus e nos purificar interiormente através do arrependimento e reconciliação com Deus, os homens e nós mesmos. Por isso oramos "para que o fim de nossa vida seja cristão, pacífico e sem pecado".
36. A Igreja acredita que os seres humanos não deixam de existir no momento de sua morte, mas que adormecem, sendo a morte apenas uma passagem para a vida eterna. O homem ressuscitará com um corpo espiritual na segunda vinda de Cristo. Portanto, a Igreja pede aos médicos que preservem a consciência do paciente pelo maior tempo possível, com a menor quantidade possível de dor, colocando sua vida nas mãos de Deus misericordioso.
37. Os avanços da medicina, capazes de prolongar a duração da vida, levantaram o problema da eutanásia. A medicina consegue manter a vida através do uso da tecnologia, mesmo nos casos de ausência de qualquer esperança de cura. Essa situação é apenas uma extensão forçada da agonia e a luta com a morte. Mas querer acabar com a vida, apenas com a intenção de evitar o sofrimento, não deixa lugar para a esperança em Deus. É mais fácil e mais natural enfrentar o fim da vida, permitindo que continue a vida de acordo com a vontade de Deus, sem usar técnicas médicas para prolongar sua duração. Para a Igreja, a ciência é útil quando ajuda os seres humanos a entender suas vidas, se arrepender, viver com Deus e enfrentar o fim de suas vidas de maneira cristã, com fé e consciência espiritual plena.
38. A Igreja está ciente de que a dor intensa pode levar o homem a estados de raiva, desespero, depressão e rebelião prestes a exigir o fim de sua vida. Ao compartilhar sua dor, a Igreja acredita que a aceitação do sofrimento com fé e esperança em Deus pode levar à paciência e conforto que levam a um estado de gratidão, esperança de salvação e cura interior. Como o apóstolo Paulo disse: “Nós nos gloriamos de nossas tribulações; porque sabemos que a tribulação produz paciência, a fé firme sai da paciência e a esperança decorre da fé firme”. A Igreja enfatiza o papel dos fiéis da igreja em acompanhar o paciente, mostrando seu amor e abraçando-o, orando por ele e mencionando-o na Divina Liturgia, ajudando-o a permanecer firme e paciente.
39. Cuidado ao Paciente no Último Estágio de sua Vida: Esse cuidado visa fortalecer o paciente e tornar esse período difícil menos insuportável, para que ele possa alcançar um fim de vida pacífico, sem recorrer a meios dolorosos para o paciente. Isso requer oferecer ao paciente um serviço diário, um acompanhamento de caridade, orientação espiritual e oração.
40. Doação dos Órgãos: A Igreja considera que a doação de órgãos é um ato de amor que é decidido pelo doador em pleno uso de sua liberdade, desde que ele não cause danos a si mesmo. Em casos de morte súbita, a decisão de doar órgãos cabe à pessoa responsável pelo falecido. A Igreja adverte que qualquer espírito comercial ou mercantil nessa área deve ser evitado, aproveitando as práticas medicinais para extrair órgãos para venda, uma vez que em nenhuma circunstância é permitido tratar órgãos humanos como produtos comerciais.
41. O Abstenção de Casamento: A Igreja olha com tristeza esse fenômeno e outros fenômenos que estão se expandindo como a abstenção do casamento religioso e o contentamento com o casamento civil, a coabitação sem casamento e o surgimento dos chamados "novos padrões" da vida conjugal, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sua tentativa de ter filhos. Tudo isso levou a várias anomalias, contrárias à família tradicional, e contrárias à posição da Igreja sobre a procriação como fruto do amor e da união de dois cônjuges. Hoje, vemos crianças que não conhecem seu pai ou mãe, que têm dois pais ou duas mães, ou mães com filhos na ausência total de um pai, ou pais com filhos na ausência de mãe. Chegamos a ver comunidades de coexistência, onde uma criança cresce “abraçada” em um ambiente que não reconhece a necessidade do papel de uma mãe ou de um pai.
42. A Coabitação: Diante do crescente fenômeno de coexistência de pessoas que não estão vinculadas por um matrimônio legal, a fé cristã nos lembra fortemente que o vínculo matrimonial é abençoado por Deus e que o matrimónio é um sacramento da Igreja, não apenas um contrato ou acordo. É Cristo quem realiza esse Sacramento, convidando os cônjuges a se unirem Nele para se tornarem “uma só carne” e fazer do casamento uma morada do Senhor. Embora isso seja permitido em alguns países e círculos sociais, a coabitação de um homem e uma mulher fora do casamento não leva a uma vida harmoniosa e sustentável, embora esse fenômeno tenha sido aceito em alguns países e sociedades. O Senhor Jesus chamou a mulher samaritana, que vivia em coabitação, ao arrependimento e purificação antes que ela pudesse participar da “água viva”. É esse tipo de participação, que é o caminho para a alegria constante, que a Igreja deseja para seus filhos.
43. A Homossexualidade: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o homem e a mulher os criou. Portanto, a Igreja baseia-se na Bíblia e em sua experiência para considerar que as relações homossexuais contradizem a distinção sexual entre homem e mulher que Deus estabeleceu desde o início para o ser humano. Além disso, elas contradizem o sacramento divino do matrimônio eclesiástico e, portanto, desviam-se do destino normal da vida conjugal que Deus pretendia para o ser humano. A promulgação por algumas nações de leis que aceitam o casamento dos homossexuais não torna esse casamento legítimo dentro da Igreja. Do mesmo modo são os fenômenos contemporâneos e incomuns que abordam a questão do “gênero” e as considerações de algumas sociedades contemporâneas que legitimam as possibilidades de mudança ou manipulação de genes. A Igreja congratula-se com o progresso científico, especialmente o progresso médico, mas o olha com desconfiança quando fazem os seres humanos privados de sua humanidade.
44. A Igreja chama os fiéis a amar e respeitar todos os seres humanos, e os exorta a esforçar-se para atingir a plenitude de sua vida humana através da vida em Cristo, que é alcançada através da recepção do Espírito Santo. Viver esta vida exige do fiel que busque o arrependimento com todo seu coração, alma, pensamento e habilidade, armado com sua fé em Cristo, suas orações e sua leitura da Bíblia, lutando espiritualmente e controlando suas paixões. O Senhor, com seu amor ilimitado, dá ao homem penitente uma bênção para carregar sua cruz e chegar ao porto da salvação. Assim, o homem, por sua vontade e, com a ajuda de Deus, pode retornar à vida correta, mesmo que inicialmente sentisse sofrimento e imposição.
45. A Igreja, ao seguir os resultados de várias pesquisas médicas sobre homossexualidade, enfatiza a necessidade de acompanhamento e orientação do pai espiritual, com amor e sem condenação e com a ajuda dos pais e as orações de todos para que a graça de Deus seja ativada neles, e possam tomar as atitudes apropriadas de trazê-los para uma prática reta e certa. A situação exige uma longa paciência e um grande amor dos orientadores e da família, além de uma cooperação estreita e duradoura entre eles e a pessoa em questão.
46. O Vício: O vício é um estado psicológico e comportamental do ser humano resultante de uma crise e uma rejeição de si mesmo e do seu ambiente, especialmente da família. O vício não é um fator hereditário, mas procede da combinação de uma série de causas acumuladas e emaranhadas, como as dificuldades da vida familiar, um vácuo emocional e falta de educação. O resultado é um estado de depressão e um sentimento de solidão que leva ao isolamento e ao vício, tentando sair da crise através de drogas, sexo, violência, abuso de dispositivos digitais ou outros comportamentos excessivos para satisfazer as inclinações e acalmar os nervos.
47. A saída da depressão, que leva o homem ao vício, consiste em trabalhar para reativar a graça do Batismo, recuperando o compromisso com a vida da Igreja e a prática das virtudes, além do tratamento e acompanhamento médico necessários. Deus sempre abre as portas do arrependimento ao homem. O arrependimento começa quando o homem percebe que ele é amado por Deus e assim ele muda. A saída do vício é difícil para o homem, mas é possível para Deus, se o homem pedir a ajuda Dele. Aqui a Igreja chama a atenção para a importância do acompanhamento do viciado por um padre ou conselheiro dentro da comunhão da Igreja, assim como a necessidade de recorrer a instituições de reabilitação que ajudam a combater o vício, com a esperança de sair do vácuo de uma realidade virtual estéril e seguir em direção a “prados verdejantes”.
48. Assédio a Crianças e Menores: Às vezes, as crianças são expostas na sociedade a experiências dolorosas, e o assédio sexual é apenas uma das experiências mais perigosas. A Igreja condena o assédio sexual de qualquer forma e independentemente de quem o cometeu. Ela considera que é uma violação flagrante da inocência da criança e um crime que exige o julgamento e a punição do agressor. A Igreja insta todos os envolvidos, pastores e pais, a tomarem todas as medidas necessárias para proteger as crianças do assédio sexual, para que elas vivam em ambientes saudáveis e acolhedores. Pede a Igreja ao pais que forneçam aos filhos uma educação que desperte a consciência e estimule sua capacidade de discernir. Também os convida a fornecer-lhes uma educação sexual adequada, para evitar que sejam vítimas de qualquer manipulação ou engano, seja pela mídia, pelas redes sociais ou pelo contato direto do corpo.
49. A Igreja incentiva os pais a despertar nos filhos um senso crítico que os ajude a sempre buscar a verdade e tomar a decisão certa diante de tudo o que veem na televisão ou encontram nas redes sociais e outras mídias. A educação sexual em casa é importante porque ela protege as crianças dos perigos da permissividade, pornorafia e da má conduta sexual.
O Papel da Família na Vida da Igreja
50. São João Crisóstomo chama os cônjuges a tornarem sua casa uma pequena igreja: "Toda a sua casa seja uma igreja". Isto é alcançado através da prática de oração e jejum, através da participação na vida da Igreja, do respeito de um pelo outro e do incentivo recíproco a preservar o amor e praticar as virtudes. Dessa forma, os pais serão um exemplo vivo para seus filhos.
51. O exemplo da vida cotidiana dos pais é a melhor maneira para que os filhos se aprofundem na vida em Cristo. Não é o ensino dado por palavras, mas o ensino dado por atos e atitudes que exerce grande influência sobre as crianças, dando-lhes um exemplo vívido. São Porfírio, o vidente, disse: “A vida dos pais no lar santifica os filhos e os faz bons. Os pais devem entregar-se ao amor de Deus e tornar-se como santos ao redor de seus filhos, manifestando paciência e amor”. A santidade dos pais através da vivência do arrependimento e do perdão é a melhor maneira de educar os filhos e aproximá-los do Senhor. A casa da família torna-se uma escola de amor e sacrifício, que são as melhores armas para enfrentar os desafios da sociedade.
52. Alguns pais prestam muito mais atenção à educação, saúde e futuro profissional dos filhos do que a formação da sua fé. A Igreja recomenda que a mulher grávida ore por seu bebê cuidando assim do dom de Deus que está crescendo em seu corpo. O próprio São Porfirio afirma que a educação começa no momento da concepção. E como um primeiro passo para a vida de santidade, a Igreja aconselha os pais a retornarem à antiga e abençoada tradição ortodoxa de escolher um santo padroeiro para seu filho recém-nascido desenvolvendo uma relação de oração com o padroeiro, algo que fortalece o relacionamento da família com os santos e traz benefícios espirituais para ambos, os pais e os filhos.
53. Os Padres da Igreja encorajam os pais para que tornem cada um de seus filhos “uma pessoa comprometida e um cidadão dos céus”. A educação dos filhos é uma arte, e os pais devem dominar essa arte profissionalmente e com habilidade. Isso requer atenção, contenção e disponibilidade dos pais todos os dias. A ausência prolongada dos pais, a renúncia à sua responsabilidade como educadores ou a tendência de deixar seus filhos sob os cuidados de assistentes domésticos ou creches são uma fonte de ansiedade para as crianças e afetam o comportamento futuro de seus filhos. A educação é um ato sagrado e abençoado pelo qual pai e mãe são responsáveis. Essa responsabilidade também é grande para os pastores e irmãos da Igreja que ajudam as famílias a superar as complicações da vida cotidiana e a oferecer-lhes conforto divino. Assim, as crianças crescerão adquirindo importantes valores humanos de fraternidade e comunhão. Eles terão amplos horizontes e aprenderão a usar sua liberdade e maturidade para tomar decisões responsáveis na vida e alcançar sua salvação.
54. Os Santos Padres recomendam que cada lar cristão se torne um local de oração para todos os membros da família, bem como a prática de oração individual para cada um de seus membros. A leitura diária da Bíblia em casa nutre a alma e ilumina a mente, uma necessidade básica para toda a família e um porto de tranquilidade no meio da rotina diária e tantas preocupações. "Compre livros porque são remédios para a alma", diz São João Crisóstomo. "Leia pelo menos os Evangelhos e Atos dos Apóstolos para aprender com eles". A Igreja recorda a importância da participação da família nos serviços litúrgicos e sua importância para a maturidade espiritual da família.
55. A família é o lugar onde cada um aprende a praticar as virtudes, a alimentar a fé e cultivar o amor. Apesar das diferenças de pontos de vista entre seus membros, cada um da família aprende a viver um amor incondicional em todas as suas dimenações. Lá aprende-se a indulgência e o perdão. Cada um aprende a ouvir e aceitar o outro e a dialogar com ele, e isso prepara os membros da família para melhorar seus relacionamentos na sociedade.
56. O indivíduo cresce dentro da família num espírito de responsabilidade, comunhão e solidariedade, tendo um papel a desempenhar e colocando o bem da família acima de seus interesses pessoais. Ele percebe que suas necessidades só podem ser atendidas na vida familiar, com base na cooperação que é expressa em todos os níveis da vida. Então ele aprende que o seu bem se torna um bem da família inteira e que suas necessidades vitais fazem parte das necessidades de todos.
57. O modelo da “Família – Igreja” enraizada na fé, na vida em oração, na leitura da Bíblia e na participação na liturgia, unifica as famílias espalhadas pelo mundo, independentemente da distância geográfica. É a mesma fé que os une e os torna uma imensa família de Deus. O comportamento baseado no amor e na comunhão fraterna, que resulta da unidade na fé, na oração comunitária e na Eucaristia, é apenas uma expressão dos membros dessa grande família chamada Igreja, que se estende por todo o mundo. Isso realiza-se quando eles perceberem que tudo o que afeta seus irmãos e todos os seres humanos também os afeta em particular.
Recomendações Pastorais
58. Um pastoreio especializado: Diante de novos e crescentes problemas e desafios que surgem continuamente, é cada vez mais necessária uma ação pastoral especializada, através da ativação do papel dos fiéis qualificados nesse serviço. As contribuições dos fiéis talentosos e especializados tornam-se uma necessidade urgente para ajudar o sacerdote a cumprir suas responsabilidades pastorais. A complexidade dos problemas sociais e o rápido desenvolvimento da ciência, particularmente aqueles relacionados aos seres humanos, exigem um amplo pastoreio da Igreja que cubra todas as idades, desde a infância aos idosos, sem esquecer os enfermos, deficientes, órfãos, viúvas e todos os setores da sociedade.
59. Departamentos de Serviço à Família: O serviço às famílias no trabalho pastoral realiza-se nas arquidioceses e paróquias através da promoção de encontros regulares das famílias, programas de preparação matrimonial, atividades pastorais e retiros espirituais dos quais participe toda a família (pais e filhos), além de oficinas onde serão apresentados e discutidos estudos e textos patrísticos e científicos sobre o status da família em várias sociedades. Segue-se o estabelecimento de departamentos especializados para apoiar as relações conjugais e oferecer orientação familiar e assistência social, que ajudarão a resolver possíveis conflitos e diferenças entre os cônjuges. Existem experiências várias nas arquidioceses das quais se deve beneficiar.
60. Capacitação Contínua do Pastoreio: Há uma crescente necessidade de padres e leigos treinados e qualificados para guiar espiritualmente e dar conselhos médicos e canônicos. Os grupos de estudo são necessários para incentivar a arte de ouvir, reconciliar e resolver conflitos. Cabe à Igreja responder a essas necessidades através do desenvolvimento de programas e sessões de formação e treinamento especializados.
61. O Papel Espiritual do Sacerdote: O sacerdote deve estar ciente de seu papel espiritual para que as famílias cresçam na vida em Cristo. Ele deve organizar reuniões e encontros espirituais para incentivar os fiéis a perceberem o significado da vida litúrgica e a importância da participação na Divina Liturgia e o valor de comungar os santos dons no Sacramento da Eucaristia, além de praticar o sacramento da Reconciliação e Confissão. O padre deve ajudar as famílias a crescerem na vida da oração. Cabe ao sacerdote tomar muitas outras iniciativas pastorais para fortalecer a vida em Cristo entre os cônjuges e os filhos.
62. A Educação Cristã: A educação e a evangelização cristãs são fundamentais para a vida da Igreja e da família. O Senhor Jesus foi o primeiro a exercer o ensino. Ele passou os últimos anos de sua vida na Terra ensinando e evangelizando. O apóstolo Paulo escreveu: "Ai de mim, se eu não anunciar as boas novas!". É por isso que o ensino tem um papel primordial na educação das crianças e de seus pais e na formação das famílias cristãs. Nesta perspectiva, a Igreja evangeliza utilizando todos os meios apropriados, escritos e audiovisuais, por meio de conferências, simpósios, reuniões, encontros e outras práticas. Essas atividades espalham uma atmosfera pacífica e serena dentro da família e geram um pensamento inspirado pela Bíblia e pela experiência da Igreja, com o qual a família enfrenta com mais eficácia o espírito de consumo que domina as sociedades modernas.
63. A Cultura de Acompanhamento: A Igreja aproveita-se algumas especialidades para acompanhar certas situações angustiantes, como pacientes terminais, os deficientes e os que sofrem conflitos conjugais, etc. Pois o acompanhamento exige um conhecimento sério e profundo para aproximar-se da pessoa envolvida e de sua situação. Por outro lado, a Igreja precisa desenvolver sistemática e metodologicamente essa cultura e difundi-la entre os que trabalham no campo pastoral, não apenas porque é nova, mas porque é sensível e necessária devido à privacidade de cada indivíduo. O acompanhamento é uma maneira necessária e inevitável para dirigir-se ao homem contemporâneo e ajudá-lo a descobrir a face de Cristo Salvador, que morreu e ressuscitou por ele.
64. A Exortação à Procriação: A presença de filhos em uma família traz grandes benefícios para os pais e os filhos. Permite uma vida de comunhão entre os membros da família e faz crescer um senso de responsabilidade e de serviço. A família numerosa não permite que os pais pensem em si mesmos de maneira egoísta, porque estão totalmente comprometidos com os filhos compartilhando sua educação, algo que fortalece sua união matrimonial. Uma família numerosa com parentes próximos permite que as crianças cresçam em um ambiente de amor e atenção, e cria nelas um sentimento de pertencimento social que as encoraja a dialogar, compartilhar, cooperar e desenvolver o espírito de dar.
65. Essa carta pastoral em torno da família chega em um momento de muitas convulsões sociais e de progresso científico acelerado que impõem nova realidade e diferentes formas de vida, que afetam em grande medida nossas famílias. Com o surgimento de novas formas de casamento e da formação de novos casais, a família tradicional agora corre o risco de perder sua identidade e estrutura, enfrentando sérios problemas que nunca existiram anteriormente. Em meio a todos esses desafios, os Padres do Santo Sínodo desejaram lembrar aos filhos da Igreja de que viver realmente o conceito cristão de família, o qual se baseia no matrimônio e na fé em Cristo é a melhor maneira de proteger a família dos perigos que a ameaçavam ontem, que a ameaçam hoje e que a ameaçarão amanhã.
66. Estamos cientes de que o tema da família junto com suas várias ramificações não pode ser tratado adequadamente nessas poucas páginas. É por isso que nossa Igreja lança essa carta pastoral como uma primeira abordagem ao assunto e espera organizar seminários abertos em torno de cada um de seus títulos, a fim de aprofundar o conhecimento dos fiéis e encontrar mais maneiras eficazes para enfrentar esses desafios.
67. "A família é uma pequena igreja", uma célula da Igreja Universal. Todo ser humano é o resultado do que foi vivido em sua família. Ele conhece a Cristo através de seus pais e avós, sendo a esperança de apresentá-Lo posteriormente ao mundo, para as futuras gerações. Nossa Igreja está cheia de modelos de santidade procedentes de uma boa educação familiar. Os santos antepassados de Cristo, Joaquim e Ana, deram ao mundo a Santa Mãe de Deus, que causou grande alegria a toda a humanidade. Os cônjuges abençoados, São Basílio, o Velho, e Santa Emélia, ofereceram à Igreja os santos São Basílio, o Grande, São Pedro Bispo de Sebaste, São Gregório Bispo de Nisa, São Pancrácio, o Eremita e sua irmã, a santa e sábia Macrina. É uma família modelo que iluminou a Igreja e o mundo com seus brilhos de uma luz inesgotável e ensinou uma ciência que transcende todas as ciências.
68. A Igreja espera que a família continue sendo "a alegria da vida" e que o sacramento da alegria se manifeste nela como uma vida de comunhão, amor e reconciliação. Assim, nossas famílias serão uma imagem do Reino de Deus e iluminarão a Igreja com fé, amor e paz.
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